segunda-feira, 29 de junho de 2009

Prece de amazonense em São Paulo



Poema inspirado em Carlos Drummond de Andrade
Milton Hatoum

Espírito do Amazonas, me ilumina, e sobre o caos desta metrópole, conserva em mim ao menos um fio do que fui na minha infância. Não quero ser pássaro em céu de cinzas nem amargar noites de medo nas marginais de um rio que não renasce. O outro rio, sereno e violento, é pátria imaginária, paraíso atrofiado pelo tempo. Amazonas: Tua ânsia de infinito ainda perdura? Ou perdi precocemente toda esperança? Os que te queimam, impunes, têm olhos de cobre, mãos pesadas de ganância. Ilhas seres rios florestas: o céu projeta em mapas sombrios manchas da natureza calcinada. Tento abraçar a imagem fugidia de um barco à deriva no mormaço com os mitos que a linguagem inventa. Espírito amazonense, tímido talvez, e desconfiado para sempre, não me fujas em São Paulo, nem me deixes à mercê dos pesadelos que incendeiam o mundo. Se o Brasil te conhecesse antes do fim que se aproxima, salvaria tua beleza? Teus seres desencantados? Entenderia a ciência tua infinita riqueza? Abre a janela de um barco ante meus olhos, e que ao teu profundo rio conduza a memória de línguas estranhas e tantas histórias ocultadas: Amazonas.
São Paulo, Manaus, setembro de 2007

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo

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